Quem ganha no grito
A torcida que trajava uniformes tricolores – branco, amarelo e preto - comemorava mesmo com o time sendo eliminado do primeiro turno do campeonato. Do outro lado, a torcida alvi-azul estava em silêncio, decepcionada com a derrota no jogo mais importante do Avaí nos últimos 10 anos. Até que o som da explosão ecoou mais alto que os gritos dos torcedores do Criciúma O que antes era alegria, agora era pavor.
A duzentos e dois quilômetros da capital catarinense do carvão, os torcedores no estádio Orlando Scarpelli comemoravam o título eminente, porém alguns se calaram após escutar as palavras do narrador Salles Jr. que chegavam pelo rádio:
-Meu deus! Que cena horrorosa, uma bomba atirada da torcida do Avaí acertou a mão de um torcedor do Criciúma, arrancando ela. (pausa) Nossa, acho que foi a pior coisa que eu já vi na minha vida.
No estádio Heriberto Hülse, aos 40 minutos do segundo tempo, o aposentado Ivo Costa notou que algo foi arremessado do seu lado. Ao pegar o objeto para ver do que se tratava, ouviu o som que não esquecerá pelo resto da vida. Nem o futebol catarinense.
O fato inaugurou aquela que está sendo a maior discussão sobre as torcidas organizadas de Santa Catarina desde que o esporte se profissionalizou no estado, em meados do século XX. A mídia levantou de imediato a possibilidade da extinção de todas as torcidas organizadas catarinenses, em especial a Gaviões Alvinegros (TOGA), composta por torcedores do Figueirense Futebol Clube, e a Mancha Azul (TMA), dos torcedores do Avaí Futebol Clube.
Após o inquérito policial, o Ministério Público acabou ingressando a ação pelo crime e pelos danos contra alguns torcedores, derrubando a hipótese de que toda a torcida Mancha Azul pudesse ser responsabilizada pelo incidente com a bomba. O soldado do Exército Juliano França (membro da torcida Mancha Azul) de 22 anos responde pelo crime de lesão corporal gravíssima. Sobre esta decisão, o delegado federal Rodrigo Muller afirma que as torcidas poderiam sim ser penalizadas, e até extintas, mas apenas se “constatar que (a torcida organizada) está sendo utilizada por seus dirigentes para facilitação, incitação ou prática de delitos”.
Os órgãos judiciários desportivos de Santa Catarina, por sua vez, optaram por penalizar ambos os clubes, Avaí e Criciúma, aplicando multa e perda de mando de campo por três jogos. Porém a defesa entrou com um recurso e os clubes acabaram sendo absolvidos no Superior Tribunal de Justiça Desportiva, sob a alegação de que, uma vez encontrados as pessoas culpadas pelo crime, os clubes estariam isentos de qualquer responsabilidade. A decisão estava realmente de acordo com a lei, mas não com a opinião pública, em parte impulsionada pelos comentaristas esportivos.
A favor da extinção das torcidas organizadas, o jornalista Rodrigo Faraco declara que elas têm pouco a contribuir com o futebol:
- Geralmente estas organizadas se utilizam do futebol para criar a figura do torcedor profissional, aquele que vive e tira seu sustento dos subprodutos do futebol. Não contribuem para o desenvolvimento dos clubes, usam as marcas dos clubes para criar outros produtos e por aí vai.
Apesar das autoridades terem declarado a inocência das torcidas organizadas, houve um encontro entre representantes da Policia Militar, do Ministério Público, da Gaviões e da Mancha para discutir a crescente violência provocada por membros destas torcidas. A reunião resultou em um Termo de Ajustamento de Conduta que impôs uma pena de, no mínimo, três meses sem poder freqüentar estádios catarinenses, àquelas torcidas que tivessem algum membro seu envolvido na prática de crimes.
O assunto foi alimentado pelas freqüentes noticias de confrontos entre as grandes torcidas das equipes paulistas e cariocas, sendo que eles não se restringiam a apenas jogos de futebol. Foram registradas brigas entre as organizadas durante partidas de futsal, showbol – futebol praticado em um campo pequeno cercado por grades para a bola não sair – e até basquete.
Assim que se iniciou o Campeonato Brasileiro, as histórias de disputas extra-campo se tornaram cada vez mais escassas, até que em partida válida pela segunda rodada o Figueirense recebeu o Coritiba no estádio Orlando Scarpelli. Duas horas antes da partida iniciar, torcedores membros da Império Alviverde (simpatizantes do Coritiba) tentaram invadir a sede da Gaviões Alvinegros, agredindo pedestres e depredando carros no processo.
As investigações policiais apontaram que o conflito se iniciou quando um membro da Gaviões atirou uma pedra contra o ônibus dos torcedores paranaenses. Os torcedores alvinegros, por sua vez, afirmam que também estariam envolvidos membros da Mancha Azul.
Devido à colaboração da diretoria da Gaviões no esclarecimento do caso, a torcida organizada foi punida com a pena mínima de três meses sem freqüentar os estádios catarinenses. A pena restringe somente os trajes e demais objetos com nome ou símbolo da TOGA. Os membros da torcida podem freqüentar os jogos utilizando roupas comuns. Eles também não são impedidos de se reunir no mesmo local dentro do estádio, cantar músicas que enaltecem a organizada ou depreciam as torcidas dos outros times.
Apesar de causar a impressão de que “dá no mesmo” para os demais torcedores, os jogadores dos clubes apóiam a medida, afirmando que a violência diminui, mas a festa nos estádios não:
- Geralmente são elas que puxam os coros que motivam nós jogadores dentro do campo, acho que é boa a iniciativa de existir as organizadas, mas que levem o nome ao pé da letra, e não virem desorganizadas, pregando pela paz sempre. – afirma Cássio, zagueiro do Avaí.
- As torcidas têm todo o direito de protestar, mas com respeito e sem vandalismos. Eu sou dos que são a favor delas (torcidas organizadas), já que são elas que puxam os coros para nos incentivar em campo – completa Rafael Coelho, atacante do Figueira.
O assunto sumiu dos noticiários. Durante os 3 meses da proibição imposta à Gaviões Alvinegros, o Figueirense enfrentou uma das piores fases da sua história, chegando à várias derrotas seguidas, e agora estava seriamente ameaçado pelo rebaixamento. Para piorar, os torcedores do Figueira viam o rival Avaí, que faz uma bela campanha no Campeonato Brasileiro da Série B, cada vez mais próximo da primeira divisão do campeonato nacional.
A fase fez com que a TOGA fosse protestar num treinamento do time, o que acarretou com o arremesso de um rojão no gramado, levando os jogadores Rafael Coelho e Asprilla ao chão.
Uma nova reunião entre a Federação Catarinense do Futebol, o Ministério Público e a Policia Militar, resultou numa nova suspensão sem tempo determinado á Gaviões. Desta vez, o fato gerou controvérsias devido à medida ter sido baseada no Termo de Ajustamento de Conduta, mas ele tinha validade apenas até o fim do Campeonato Catarinense.
- Eles (a gaviões) estão no direito deles de cobrar, mas não desta maneira, ninguém está de sacanagem aqui, somos todos país de família também. Agora acho que não deveria haver punição, ou pelo menos não dessa forma, mesmo porque fardados ou não, eles vão estar lá. – reclamou Asprilla, um dos atingidos pelo rojão.
O meia Marquinho elogiou que os membros da torcida organizada sempre tiveram respeito ao cobrar ações do time e que este foi um caso isolado: “A punição foi demais, por mim o clube dava uma bronca e a história morria ali”.
O clima tenso se reflete nos treinamentos. Os jogadores, que já se preocupavam com a péssima campanha no Brasileirão, agora temem que a torcida, seu maior aliado, se transforme em mais uma pedra na chuteira. (Ps: Um dia depois de eu terminar o texto, a torcida do Figueirense foi ao treino com um cartaz de incentivo e eles "fizeram as pazes")
Nenhum comentário:
Postar um comentário